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Janeiro 15, 2022
A nossa vida é feita de vários tipos de relações, sem as quais não seria possível vivermos uma vida normal e equilibrada, porque muito do equilíbrio e força individual advém precisamente do equilíbrio e força ganhos nas relações. A todo o momento relacionamos-nos com algo, seja uma pessoa, um animal, uma planta, um facto, uma situação ou um objecto. Quando a pessoa não se relaciona com o mundo externo, é porque, nesse momento, provavelmente está a relacionar-se com o mundo interno. Não podemos abrir mão desta jóia de crescimento que são os relacionamentos.
Existem muitos tipos de relações interpessoais: temos relações interpessoais de sangue ou familiares, românticas ou afectivas, profissionais, amigáveis e também, podemos dizer, neutras, nas quais não há nenhum investimento emocional ou afectivo. Se alguém nos perguntar as horas na rua, há obviamente uma relação interpessoal, contudo é neutra, porque não há um investimento afectivo.
De entre as relações interpessoais, a primeira relação de um ser humano é com a mãe. Esta é uma relação tremendamente importante, não só porque um ser humano vive nove meses dentro de outro, mas porque será dependente dele por bastantes anos. Um filho literalmente habita no ventre da mãe, absorvendo umbilicalmente todos os nutrientes e oxigénio que precisa. Se não fosse assim não sobreviveria. A natureza é incrivelmente magnífica e sábia.
Depois do parto, que é a verdadeira chegada do bebé ao mundo, o cordão umbilical é cortado. Os dois, mãe e filho, são separados fisicamente, porém continuam juntos pelo milagroso amor de mãe. Temos então um bebé totalmente indefeso e incapaz de sobreviver sozinho, que se completa com uma mãe totalmente pronta, equipada e preparada para defender e nutrir a sua cria. Nessa altura, após o nascimento, apesar do bebé ter ouvido a voz do pai enquanto ainda estava dentro do ventre da mãe, ele conhece-o fisicamente, sentindo agora uma energia diferente, a energia paterna, da qual também ele é feito. Então, em condições normais, a relação com o pai é a segunda relação. Juntos, pai e mãe, são tudo o que o bebé tem.
A terceira relação que o bebé conhece é a relação entre o pai e a mãe. Ele absorverá tudo o que conseguir dessa relação. Todo o amor trocado entre eles será sentido pela criança. É claro que, mesmo durante a gravidez o bebé já foi tendo conhecimento dessa relação, porque os ouvia e sentia, contudo, como ainda não estava separado fisicamente da mãe, como ainda era parte dela, era diferente. Ainda assim, todo o amor e também o desamor que o casal experimenta durante a gravidez vai sendo registado e absorvido pelo bebé. Como todos bem sabemos, é importante que o pai e a mãe desenvolvam entre ambos uma relação honesta, amorosa, amigável e de companheirismo para que o bebé a assimile desde muito cedo.
Depois, à medida que vai crescendo e desenvolvendo-se, o bebé vai tornar-se uma criança, vai conhecer os seus familiares, os amigos dos pais e vai fazer muitas amizades com as quais terá oportunidade de brincar e aprender a relacionar-se. Eventualmente, terminará os seus estudos e descobrirá também qual o seu talento e contributo para o mundo, usando-o para prosperar financeiramente. Bem mais tarde, caso deseje, independentemente da sua orientação sexual, poderá ter um parceiro ou parceira com quem poderá ter um bebé, seja ele biológico ou adoptado. Este é o ciclo – nascer, crescer, estudar, trabalhar para prosperar financeiramente, constituir família, aposentadoria e morrer.
Algumas pessoas descobrem que este ciclo, apesar de ser normal, é incompleto. Falta-lhe algo, porque a vida não pode ser simplesmente isto. Não faz sentido trabalhar toda uma vida para depois morrer e deixar tudo para trás. Se supusermos que este ciclo é completo, então temos que admitir que ele é sem significado, simplesmente pelo facto de que as pessoas não se sentem realizadas, mesmo tendo realizado com sucesso todos os passos do ciclo. Se o ciclo fosse completo, então as pessoas, tendo-o terminado, deveriam sentir-se completas e realizadas, o que não acontece.
Ignorando a dimensão espiritual de si mesmo e, consequentemente, concluindo que tudo o que a pessoa é, é somente o complexo corpo-mente, naturalmente surge insuficiência, porque o corpo, a energia vital e a mente são insuficientes. Por outras palavras, há um senso de insuficiência centrado no corpo, por isso a pessoa pensa: “não sou suficientemente bonito” ou “não sou suficientemente alto”, etc. Há um senso de insuficiência centrado na energia vital e há também um senso de insuficiência centrado na mente. Este senso de insuficiência é transversal e condena a pessoa a desejar ser mais: ser mais em termos de corpo, ser mais em termos de energia e ser mais em termos da mente. Então, é esta insuficiência vestida de desejo que empurra e motiva ferozmente as pessoas para a acção, agir para serem mais, agir para serem diferentes, agir para serem melhores.
Como acabar com o feitiço? Há que recorrer à magia, há que recorrer a um mago. O mago é chamado guru, mestre ou professor. Guru é a pessoa que remove a escuridão. A sílaba “gu” representa a escuridão e a sílaba “ru” representa o removedor. Qual é o feitiço? É a ignorância. Qual é o antídoto? É a poção mágica chamada conhecimento que quebra o feitiço, que faz a pessoa sair da falsa fantasia. Qual é a falsa fantasia? É a pessoa acreditar que é somente o corpo-mente e que não existe uma dimensão mais profunda em si. Sem receber a poção mágica do conhecimento, ninguém conseguirá por si mesmo livrar-se do feitiço, porque o feitiço é a própria vida que é tida como real na qual a pessoa vive.
Fica claro, agora, que esta última relação é muito, muito importante. Todas as relações são importantes, mas três são as que se destacam: a relação com a mãe, com o pai e com o mestre. A relação com o mestre é a mais peculiar destas três, porque, apesar de geralmente não ser uma relação familiar ou de sangue, encontramos no mestre uma figura tanto paternal, quanto maternal. O mestre é simultaneamente o pai e a mãe espiritual e o aluno é o bebé espiritual.
Esta não é uma relação de troca, simplesmente porque o mestre não recebe nada. Quem recebe é somente o aluno. Recebe o conhecimento de si mesmo, que é a poção mágica que o liberta do feitiço. Esta relação é destinada a isso mesmo e a nada mais – remover a ignorância que o bebé espiritual tem para que fique livre do saṁsāra, para que fique livre do sofrimento que é a constante insuficiência sentida durante a vida. Se a mãe e o pai trazem a criança ao mundo, ao saṁsāra, é o guru e mais ninguém que a retira do saṁsāra, retirando também por vezes o seu pai e a sua mãe.
Imaginem alguém que caiu em areias movediças. Quanto mais essa pessoa se mexe, mais ela se afunda. Sozinha não conseguirá sair e morrerá a tentar. É uma aflição, é um sofrimento. O saṁsāra é isto mesmo. As pessoas estão nas areias movediças da vida, sofrendo da insuficiência, do vazio, do senso de inadequação causados pela ignorância, esperando em vão que, sozinhas e através da acção, se consigam soltar e ficar livres, mas isso nunca chega a acontecer. Quanto mais agem, mais se fundam nas areias movediças da vida. Repara no seguinte, que é muito importante: os que pensam que casar é a solução, geralmente desiludem-se e acabam divorciados, porque casar vai com certeza revelar o senso de insuficiência enquanto marido ou mulher; os que pensam que ter filhos é a solução, esses certamente se desiludem e muito rapidamente entenderão a quantidade de insuficiência e inadequação que está centrada em ser pai e mãe e toda a culpa inerente à parentalidade; os que pensam que a profissão é a solução, na aposentadoria claramente entenderão que não é. Quanto mais agem, mais se afundam. Este facto merece ser contemplado.
Como sair disto? Primeiro, é necessário compreender que sozinho não será possível. Depois, é necessário pedir ajuda, é necessário gritar bem alto para que alguém ouça e venha ajudar. Depois, é necessário confiar que essa pessoa que vem ajudar e que está livre das areias movediças nos consegue ajudar. Finalmente, é necessário colaborar com a ajuda que nos está a ser dada.
Que troca existe entre a pessoa que salva outra das areias movediças? Nenhuma. Uma salva a vida à outra e a outra ficará eternamente agradecida por ter sido tirada de lá. O guru é a pessoa que está na terra firme do conhecimento, livre e que possui a capacidade e as ferramentas necessárias para ajudar outra a sair das areias movediças do saṁsāra. Para isso, a pessoa tem que pedir ajuda, tem que pedir para ser ensinada. Este pedido resulta da compreensão de que sozinha não consegue resolver o problema. Então, tem que haver total confiança no guru, assim como tem que haver total confiança da pessoa que está a afundar-se em areias movediças na pessoa que a irá tirar de lá. Enquanto isto não for percebido, não há verdadeiramente uma relação entre o aluno e o mestre.
Śiṣya é uma palavra muito significativa, pois significa śikṣaṇīyaḥ, aquele que é para ser ensinado, aquele que merece ser ensinado. Isso significa que o aluno deverá reunir ou fazer por reunir tudo aquilo que o ajudará a colaborar com o trabalho do professor. O trabalho do professor é ensinar e transmitir o conhecimento para a mente do aluno. Então, torna-se óbvio que a colaboração do aluno é em desenvolver as qualidades mentais necessárias para poder aprender o melhor possível. Aqui não estamos somente a falar de qualidades cognitivas, como a atenção e o raciocínio. Estamos também a falar de inteligência emocional, a capacidade de lidar saudavelmente com as emoções. Tudo isso é esperado do aluno, tudo isso é a sua colaboração com o professor e com o ensinamento. Quanto melhor for o crescimento em termos de maturidade, melhor é a colaboração do aluno.
Como invocar o professor na pessoa que desempenha o papel de professor?
A honestidade, o respeito e a humildade e outras virtudes formam a estrutura que permite que o amor se manifeste. O aluno sentirá amor pelo professor e vice-versa. É este amor que torna a relação única. É um amor livre, porque o propósito é a própria liberdade, na qual o aluno descobre que, essencialmente, ele não é diferente do guru.
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