Da discussão nasce a luz?

Março 7, 2018

Texto de Catarina Mota

 

 

Os cegos e o elefante

(história do folclore hindu)

 

Numa cidade da Índia, viviam sete sábios cegos. Como os seus conselhos eram sempre excelentes, todas as pessoas que tinham problemas, recorriam à sua ajuda. Embora fossem amigos, havia uma certa rivalidade entre eles que, de vez em quando, discutiam sobre qual seria o mais sábio.

 

Certa noite, depois de muito conversarem sobre a verdade da vida e não chegarem a um acordo, o sétimo sábio ficou tão aborrecido, que resolveu ir morar sozinho numa caverna na montanha. Disse aos companheiros:

 

- Somos cegos para que possamos ouvir e entender melhor que as outras pessoas a verdade da vida. E, em vez de aconselhar os necessitados, vocês ficam aí a discutir, como se quisessem ganhar uma competição. Não aguento mais! Vou-me embora.

 

No dia seguinte, chegou à cidade um comerciante, montado num enorme elefante. Os cegos nunca tinham tocado nesse animal e correram para a rua ao seu encontro.

 

O primeiro sábio,  apalpou a barriga do elefante e declarou:

 

- Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Posso tocar nos seus músculos e eles não se movem. Parecem paredes!

 

- Que palermice! - disse o segundo sábio, tocando nas presas do elefante. - Este animal é pontiagudo como uma lança, uma arma de guerra!

 

- Ambos se enganam - retorquiu o terceiro sábio, que apertava a tromba do elefante. - Este animal é idêntico a uma serpente. Mas não morde, porque não tem dentes na boca. É uma cobra mansa e macia.

 

- Vocês estão completamente enganados! - gritou o quinto sábio, que mexia nas orelhas do elefante - Este animal não se parece com nenhum outro. Os seus movimentos são bamboleantes, como se o seu corpo fosse uma enorme cortina ambulante...

 

- Vejam só! Todos vocês, mas todos mesmo, estão completamente errados! - irritou-se o sexto sábio, tocando a pequena cauda do elefante - Este animal é como uma rocha, com uma corda presa no corpo. Posso até pendurar-me nele!

 

E assim, ficaram horas debatendo, aos gritos, os seis sábios. Até que o sétimo sábio cego, que agora vivia na montanha, apareceu, conduzido por uma criança. Ouvindo a discussão, pediu ao menino que desenhasse no chão a figura do elefante. Quando tacteou os contornos do desenho, percebeu que todos os sábios estavam certos e enganados ao mesmo tempo. Agradeceu ao menino e afirmou:

 

- É assim que os homens se comportam perante a verdade. Pegam apenas numa parte, pensam que é o todo e continuam tolos!

 

 

Será que da discussão nasce, realmente, a luz? Nem sempre.

 

Discutir, no sentido de reflectir sobre algum assunto, apresentando argumentos que permitam chegar à verdade sobre uma questão é salutar. Mas penso que esta é uma arte que poucos dominam. Algures no meio das discussões, a procura da verdade parece ser substituída pelo desejo de "vencer" o outro, de mostrar que "se eu estou certo, tu estás errado". Aliás, a maioria das discussões nem sequer começa com o objectivo de apurar alguma verdade!

 

Na maioria das vezes, ouvimos para responder, não para escutar.

 

A identificação com a forma é uma das armadilhas do ego. Se eu me identifico com os meus pensamentos, vou defendê-los a todo o custo. Se alguém não está de acordo com uma ideia minha, sinto isso como algo pessoal, acho que essa pessoa está contra mim. "Ou estás do meu lado, ou estás contra mim". Para muitos, esta é a realidade e não há meio termo.

 

Quando isto acontece, a única coisa que nasce das discussões são egos ainda mais fortes. Cada pessoa agarrada ao seu pedaço de verdade, reforçando-a cada vez mais, criando resistência à verdade do outro.

 

Saber discutir de forma produtiva obriga a abrirmos mão da nossa verdade, pelo menos por um tempo, para termos espaço para ouvir e assimilar a visão do outro. Saber ouvir, ou melhor, escutar, é outro requisito essencial e nada fácil. Para podermos escutar realmente alguém, temos de silenciar a nossa mente, evitando os seus constantes julgamentos e interpretações. Temos de tentar ver o mundo através dos olhos do outro, para realmente o percebermos. Temos de ter a capacidade de chegar à conclusão de que podemos estar errados!

 

Cada pedaço de verdade é como a peça de um puzzle que, em conjunto com outras peças, forma uma imagem maior. Se eu junto o meu pedaço de verdade com os pedaços de verdade de outras pessoas, então, todos podemos chegar a uma verdade maior. E assim, sim, nasce a luz.

 

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