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Yamas e Niyamas – Yoga na vida

Texto de Catarina Mota

 

Patañjali e o yoga clássico

Patañjali foi o codificador do yoga clássico e, apesar de não haver unanimidade quanto à data em que terá vivido, acredita-se que foi algures entre os séculos IV e II a.C.

Yoga Sutra é a obra de Patañjali, onde ele fala do Asthanga Yoga. Asht significa “oito”; anga significa “parte”, “membro”. Ashtanga Yoga é o “yoga em oito partes”, como foi codificado por Patáñjali, conhecido também como Yoga Clássico.

 

O yoga clássico, divide-se em oito partes (angas):

1 – disciplina (yama)

2 – autocontrole (niyama)

3 – posturas (asana)

4 – controle da respiração (pranayama)

5 – recolhimento dos sentidos (pratyahara)

6 – concentração (dharana)

7 – meditação (dhyana)

8 – iluminação (samadhi)

 

Yama, niyama, asana e pranayama constituem o aspecto externo do yoga (bahiranga), enquanto que dharana, dhyana e samadhi constituem o aspecto interno (antaranga).

 

Os dois primeiros passos são a parte ética do yoga, o yoga fora da sala de prática. Infelizmente, parecem não ter muita importância nos dias de hoje, nem na prática de yoga, nem na vida.

 

Os yamas e niyamas têm como objectivo a purificação do indivíduo a todos os níveis. Não são exclusivos do yoga mas são essenciais para o yoga. Sem eles, podemos conseguir dominar as técnicas de forma perfeita mas para que possamos caminhar na direcção certa, temos de os ter presentes e fazer deles a principal prática. 

 

Tendo em conta que a meta do yoga é a transcendência do ego, sem yama nem niyama, arriscamo-nos a usar o yoga para fortalecer o ego.

Yama

Controle, domínio, disciplinas éticas. Segundo Georg Feurstein, “juntas, elas constituem o maha-vratta, o grande voto, que, de acordo com o Yoga Sútra (2.31), deve ser posto em prática independentemente de lugar, tempo, circunstância e da posição social da pessoa. Essas atitudes morais têm a finalidade de pôr rédeas à nossa vida instintiva. A integridade moral é um pré-requisito essencial da prática bem sucedida do yoga”.

 

Ahimsa

Ahimsa é o princípio da não-violência. Não usar nenhum tipo de violência de acção, ou de pensamento. Não é à toa que ahimsa aparece em primeiro lugar, já que é a meta e o pilar de todos os yamas.

 

Satya

Verdade em todos os níveis: pensamentos, palavras e acções. Pensamento, sentimento e acção em sintonia. Só podemos ser verdadeiramente verdadeiros com os outros, se o formos connosco.

 

Asteya

Não roubar, não cobiçar ou invejar bens ou conquistas alheias.

 

Brahmacharya

Não desvirtuar a sexualidade. Uma das formas que mais gosto para definir este conceito nos dias de hoje, é ahimsa aplicada à sexualidade. Não desvirtuar a sexualidade, não usar o outro apenas para uma satisfação egoísta dos nossos desejos.

 

Aparigraha

Desapego, não possessão em relação a tudo, sejam bens materiais, sejam relações afectivas.

 

 

Niyama

Prescrições psicofísicas estão ligadas à vida interior do praticante. Os Yamas estão ligados à nossa relação harmoniosa com os outros e os niyamas têm a ver com a nossa relação com a vida.

 

Shauchan

Purificação interna e externa. Boa alimentação, hábitos de vida saudáveis, técnicas de limpeza do organismo, bem como pensamentos e emoções “limpos”.

 

Santosha

Santosha é o contentamento. Cultivar uma atitude positiva, alegre, tranquila, independentemente das circunstâncias externas.

 

Tapas

Esforço sobre si próprio, auto-superação. Há três tipos de tapas: o que se relaciona com o corpo (káyika), tapas da palavra (váchika) e da mente (mánasika). A não-violência, por exemplo, pode ser visto como tapas do corpo. Falar a verdade, não usar palavras que ofendam é um tapas da palavra. Desenvolver uma mente positiva e tranquila, apesar das circunstâncias, é um tipo de tapas mental.

 

Swadhyaya

Auto-estudo através da auto-observação constante e do estudo da metafísica do yoga.

 

Íshwara Pranidhana

Entrega da acção e dos seus frutos ao absoluto a uma ordem divina superior. Ou seja, fazermos o que temos a fazer e, de resto, “o que tiver de ser, será!”. Íshwara Pranidhana significa também agirmos sem esperarmos recompensas, servir o outro, servir a humanidade. Entrega ao Todo, desapego do resultado da acção.

 

 

 

Claro que, a não ser que sejamos santos, é muito difícil aplicá-los a todos na nossa vida. Mas convém lembrar que o caminho faz-se caminhando. Como diz o professor Pedro Kupfer e muito bem: “Talvez você possa concordar comigo em que discorrer sobre a ética é teoricamente muito interessante, mas impossível de aplicar-se na prática por seres humanos normais, porque os yamas e niyamas são para santos, mas o Yoga é para gente como nós. Na verdade, você não precisa seguir todos os yamas e niyamas ao mesmo tempo. Escolha apenas um e mantenha-o a qualquer preço. Os outros virão sozinhos”.

 

Só o facto de estarmos mais atentos aos yamas e niyamas já vai produzir bastantes mudanças na nossa postura, perante nós mesmos, os outros e a vida.

 

 

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Yoga na escola

Texto de Julita Figueiredo

Julita Figueiredo é professora do ensino básico desde 2000. Após três anos de Formação em Yoga na Educação (R.Y.E) e um estágio internacional R.Y.E. em França, começou a aplicar técnicas específicas de Yoga voltadas para a Educação no contexto sala de aula.

 

 

A prática de yoga é para mim muito importante e uma paixão. Aprendi a sentir, usufruir do yoga e a agradecer todos os benefícios que a minha prática pessoal me tem trazido. Sou professora do Ensino Básico há 15 anos e pratico yoga para aí há metade desses. Gosto de ensinar e aprender com as crianças e, apesar da tarefa profissional ensino/aprendizagem se ter vindo a complicar nos últimos tempos, com as “minhas crianças” ensinei e aprendi a valorizar e cultivar um espaço de partilha, onde nos sentimos bem. Aprendi a usar técnicas de yoga na sala de aula e, a partir do momento em que as apliquei, nada voltou a ser como antes. Não consigo estar na sala de aula sem as usar.

 

Hoje em dia, sabemos bem como as crianças estão rodeadas de excesso de estímulos, com um horror de horas nas escolas e ATLs, a serem pressionadas para serem as melhores nesta ou naquela área, com falta de autoconfiança, falta de tempo para estar em contacto com a natureza, falta de tempo com os pais… a sentirem o acelerar das suas vidas, sem nada poderem ou saberem fazer para parar um pouco e, simplesmente, sentir.

 

Eu e quase todos os professores que conheço, falam da falta de concentração, da indisciplina e da falta de autoconfiança, como sendo dificuldades que atrapalham um bom desempenho escolar dos nossos alunos. Estas técnicas sobre as quais aqui escrevo, são exercícios simples de relaxamento e respiração usados no yoga e adaptados para crianças no contexto da sala de aula.  Para mim, são como uma alternativa metodológica que uso, a fim de enfrentar todas estas dificuldades no ensino e todo este mal estar sentido, que hoje em dia impede as crianças de serem “apenas” crianças e as rotula de “crianças problema”, hiper activas, hipo activas, mal comportadas, etc.

 

Em primeiro lugar, acho essencial que as crianças sintam que pertencem a um grupo e que se sintam bem e “encaixadas”. Viver o espírito de equipa é fundamental!

 

É como se estivéssemos todos em alto mar, a navegar no mesmo barco e este só pudesse seguir viagem com o trabalho e a força do grupo: içar velas, remar, segurar o leme… Todos são indispensáveis nesta viagem e só com a ajuda de todos, podemos seguir em frente. Sempre que exista um problema com algum trabalho no barco, todos os membros do grupo estão por perto para ajudar. E, seguindo assim, com este e muitos outros exercícios de partilha, vai-se desenvolvendo o espírito de responsabilidade perante um grupo. Noto que quando se cultiva este espírito de entreajuda, a turma fica mais coesa e todos estão mais atentos às necessidades dos colegas. Este espírito de “Viver Juntos”, como lhe costumamos chamar, precisa da constante vigilância do “Capitão do Navio”, o professor, que observa o estado de ânimo da sua tripulação.

 

É importante também “Limpar a Casa” de pensamentos negativos. Vamos cultivando o “pensar de forma positiva”. Tal como os adultos, tenho observado que as crianças que estão habituadas a pensar positivo, são mais calmas e livres de medos e angústias. É contagiante o pensamento positivo. Mesmo crianças que inicialmente não o conseguem fazer, por estarem, rodeadas do contrário, quando se habituam a ouvir e a ver palavras e gestos positivos, começam a fazer o mesmo. Para elas é tão fácil imitar os adultos! Que o façam sempre pela positiva! Frequentemente, fazemos exercícios de visualização, em que elas se imaginam a conseguir as suas pequenas conquistas, a sentirem-se bem, em paz, seguras.

 

Por vezes, são histórias simples, exemplos do quotidiano, gestos de colegas… Enfim, tudo vale quando a intenção é desbloquear, abrir, irrigar o cérebro. Seguir o lema “Eu Consigo” e deixar as palavras contrárias (não consigo), que são proibidas, fora da sala de aula. E quando algo, seja uma matéria, um exercício de matemática, uma questão do texto, etc, lhes complicar a vida, surgem as respostas: Vou tentar – tento outra vez – consegui – vou pedir ajuda.

 

Depois de eliminarmos todas estas toxinas e pensamentos não tão positivos, preocupamo-nos então com a postura! Sentados nas cadeiras, ou em pé, é importante cuidar da nossa “Árvore da Vida”, a nossa coluna. Terminada uma tarefa e permanecendo sentados, colocamos as mãos atrás da nuca! Simples, verdade? E esse gesto torna-se num código que me permite saber quem termina a tarefa, além de os manter uns segundinhos ocupados a respirar fundo e a sentirem-se bem. Também podemos usar a personagem de um texto que, por acaso, é uma árvore, aproveitar para fazer uma pausa e colocarmo-nos ao lado das mesas, de pé. Esticar os nossos ramos, baloiçá-los para a direita e esquerda, para a frente e para trás… Tão bom sentir o nosso corpo a esticar quando já tínhamos estado um bom bocado sentados! É só puxar pela imaginação e, num piscar de olhos, a coluna está direita, a autoconfiança estimulada, movimentação do diafragma melhorou e, por consequência, uma melhor oxigenação de todo o corpo. Tão bom e fácil ter este cuidado!

 

Ainda através de exercícios de relaxamento e de respiração, a criança aprende a controlar a sua agitação e a conseguir ouvir melhor o que lhe é transmitido. Usando exercícios respiratórios simples, reparo que não só se consegue acalmar as crianças, como também energizar, conforme a actividade que se se pretenda fazer a seguir. Por exemplo, depois de um intervalo em que os alunos lancharam, correram, riram, cantaram, conversaram, entra na sala apenas o corpo da criança, enquanto a sua mente ainda está lá fora no recreio, a pensar no quanto se divertiu a saltar à corda. Neste momento, podemos usar um respiratório simples, como por exemplo: sentados nas cadeiras, com as costas direitas, respirar fundo e colocar as mãos na barriga, inspirando e expirando, acalmando a respiração; continuando a respirar fundo, levar depois as mãos às costelas e depois até ao peito, respirando cada vez mais calma e profundamente. Se queremos energizar, podemos aliar a respiração a gestos. Por exemplo: sentados nas cadeiras com os braços esticados, punhos fechados com força, inspiram e expiram soltando e abrindo as mãos. Respirar bem, ter calma. Quando experimentamos essas sensações, somos invadidos por um profundo bem estar. E não é assim que devem sentir-se as crianças quando estão na sala de aula a aprender? Será que conseguem aprender de outra forma? Talvez, mas não tão bem…

 

Usar momentos de pausa é para mim essencial. Se nós concedermos pequenas pausas no tempo pedagógico, permitimos que as crianças processem a informação que lhes demos. Esse tempo que “perdemos” em pausa, será ganho em maior atenção e disponibilidade para o que vem a seguir. Relaxamento, que pode ser feito, simplesmente, fechando os olhos por uns instantes e escutando uma suave melodia. Permitimos assim ao cérebro assimilar as informações recebidas anteriormente. Aproveitamos também para recarregar baterias, descansando!

 

Por fim a concentração! Constantemente, os professores chamam a atenção, ou até mesmo repreendem, alunos por não estarem atentos. Mas será que as crianças foram ensinadas a concentrar? Em primeiro lugar, a mente deve estar calma para depois, como um raio laser, focar apenas no que é pretendido. Depois, damos espaço à mente para reproduzir interiormente todas as sensações e conceitos. Sermos capazes de prestar atenção, escutar para reter o que devemos guardar na cabeça. Na sala de aula, treinamos exercícios simples com imagens ou sons, nos quais a criança, depois de ver uma imagem ou escutar um som por alguns minutos, fecha os olhos guardando o que foi visto ou ouvido. Após lhe termos dado tempo para assimilar, ela descreve o que viu ou ouviu.

 

Estes exemplos são alguns que me ocorreram, mas muitos outros podem e devem ser feitos, pois as crianças gostam de surpresas e novidades. Como já referi, não consigo ensinar sem usar estas técnicas de yoga. Podia fazê-lo? Certamente que sim, mas não seríamos tão felizes!

 

 

 

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Sugestões para a prática de yoga

Estas sugestões são importantes não apenas para quem está a começar, mas também para os praticantes mais experientes, já que frequentemente nos esquecemos do essencial. Servem para zelar pela tua segurança, mas também para garantires um melhor aproveitamento das tuas práticas de yoga.

 

Não tenhas pressa

Sendo o yoga um trabalho interno, executar na perfeição os exercícios não é, necessariamente, sinónimo de bom praticante de yoga. Não tenhas pressa. Não tenhas expectativas de conseguir, nos primeiros dias, a execução perfeita das técnicas. Para a maioria dos exercícios é necessário um período de prática regular, que pode ir de alguns dias, a várias semanas, ou meses. Algumas técnicas demoram mesmo alguns anos a aperfeiçoar.

 

Não te esforces mais que o necessário

O êxito na execução das técnicas não depende do esforço por si mesmo. «Não é fazendo coisas que as coisas se fazem: é atitude, consciência, pensamento claro dirigido e focado, é colaboração com os devas e os construtores, é disponibilidade e entrega ao papel de cuidadores dos detalhes, porque o principal já está feito quando nos chega às mãos e à mente a ideia sequer de ‘fazer’. Quer dizer, muito pode ser feito. Sem, aparentemente, ter que se fazer muito. Por ‘fora’. » (Nuno Michaels)

Faz melhor a cada dia mas não forces. Pratica regularmente, respeitando o teu ritmo, ouvindo e seguindo os sinais do teu corpo. Esta é a melhor receita para o sucesso na prática.

 

Consulte o seu médico

É aconselhável consultares o teu médico antes de iniciares a prática de yoga, especialmente se sofres ou se já sofreste de algum problema de saúde, ou se tiveste/tens algum tipo de lesão. É essencial também falares com o teu professor sobre o teu estado de saúde, para que ele possa acompanhar-te e ensinar-te a adaptares a prática às tuas necessidades pessoais.

 

Recomeça devagar

Se interromperes a tua prática de yoga durante algum tempo, por pouco que seja, deverás depois recomeçar devagar para o corpo se adaptar novamente aos exercícios.

 

Mais não é melhor

No final de cada prática, mesmo das mais intensas, o ideal é que te sintas mais leve, energizado, mais “arrumado” por dentro. Sinais de grande cansaço ou falta de energia poderão indicar que alguma coisa falhou na tua prática ou que a dose foi excessiva.

 

Respiração acima de tudo

Faz da respiração a tua prioridade ao longo da prática. Respirar bem é meio caminho andado para que a prática te energize. Sempre que sentires dificuldade em respirar correctamente, descansa. Pára o tempo necessário até que o teu ritmo respiratório e cardíaco estejam normais. Lembra-te: parar de fazer um exercício para descansar não significa parar de praticar. A prática interna mantém-se. Ao descansares, não disperses, não te desligues de ti próprio. Mantém o foco, mantém a concentração.

 

Vestuário

Usa roupa simples, que te permitam total liberdade de movimentos. O ideal será praticares descalço, sem meias, para maior estabilidade.

 

Perseverança

Nos primeiros dias de prática notarás uma notável mudança no teu estado físico e mental. Depois, ao fim de umas semanas, parecer-te-à que já não experimentas mudança alguma. É que, no início, a acção era essencialmente exterior ou mais superficial. Depois, o trabalho realiza-se em zonas mais profundas do corpo e da psique e, por esta razão, não é de estranhar que não se percebam as mudanças que, sem dúvida, acontecem constantemente. É preciso perseverança na prática, sem se fazer muito caso das flutuações da nossa sensibilidade que, com o tempo, darão lugar a um estado permanente de solidez e serenidade.

 

 

 

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Quanto maior a construção, mais fortes os alicerces

Texto de Catarina Mota

 

Um dia destes, numa aula, saiu-me esta frase: “Quanto maior a construção, mais fortes têm de ser os alicerces”.

 

Bem, não sou perita em construção, não sei se assim é, mas faz sentido.

 

Para quem faz aulas comigo regularmente, já deve ter reparado que há um certo número de posturas em que insisto particularmente. Não só as fazemos muitas vezes, como também dedico aulas à sua correcção ao pormenor. Apesar de serem exercícios familiares, há sempre coisas a corrigir.

 

Não faço isso por acaso. Não insisto em certos asanas por não conhecer mais. A razão para os fazer regularmente, tanto nas minhas práticas pessoais, quanto nas aulas que dou, é por considerá-los alicerces.

 

São asanas que ajudam a construir as bases. Fortalecem o corpo em geral, aumentam a flexibilidade, dão-nos uma boa consciência do corpo e, sem darmos por isso, vão abrindo caminho para outros mais avançados.

 

A bem da “diversão”, poderia variar muito mais nos exercícios que escolho. Mas o yoga não é para divertir.

 

Seria muito fácil para mim fazer aulas mais acrobáticas, daquelas que enchem bem os olhos de quem vê. No entanto, eu ficaria a fazer as aulas sozinha ou com meia dúzia de pessoas que  talvez conseguissem acompanhar. E os restantes ficariam desmoralizados, a pensar que o yoga não é para eles.

 

Mais flexíveis ou menos, mais fortes ou menos, todos precisam de bases sólidas e de confiança para poderem progredir. E quanto mais longe estiverem dispostos a ir, mais importante é a criação de alicerces seguros.

 

Chamo a este grupo de posturas, asanas básicos. Básicos não no sentido de serem fáceis, até porque apesar de relativamente simples, se os queremos fazer com o máximo de rigor, não são assim tão fáceis. São básicos no sentido de nos ajudarem a construir as nossas bases.

 

É o caso, por exemplo, do  Utthita Trikonasana, Prasarita Padottanasana, Utthita Parsvakonasana, etc.

 

Estou contente com os resultados. Gosto de ver como todos têm evoluído a nível de força e de flexibilidade.

 

Esquecemo-nos, muitas vezes, de olhar para o caminho que já percorremos e ficarmos contentes com o que já conquistamos. Temos tendência a focar a atenção naquilo que ainda não conseguimos fazer, naquilo que ainda temos dificuldade, em vez de olharmos para tudo o que já avançamos.

 

Devagar se vai ao longe e é bom quando não temos pressa. Vamos andando, pelo simples prazer de andar. Aprendendo com cada passo. Crescendo ao longo da viagem. Meta? A meta é caminhar. Onde chegamos? Isso importa assim tanto? O importante é o que vamos aprendendo no percurso.

 

Praticando com regularidade, respeitando os nossos limites do momento, usando o bom senso e todos chegarão longe. Sem pressa.

 

 

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Dor na prática de yoga

Texto de Catarina Mota

 

Durante as aulas, uma das minhas “funções” é motivar os alunos para que se desafiem e percebam que, muitas vezes, os limites que têm são mais mentais que físicos. Na prática de asana é muito comum ver alunos que se sentem derrotados antes mesmo de tentar executar alguma postura, ou desistirem facilmente ao menor sinal de esforço porque se deixam levar pelo pensamento: “não consigo”.

 

Também é minha função garantir que pratiquem em segurança. Por isso, se às vezes “insisto” para que aguentem a permanência na postura ou para que tentem variações mais avançadas, também vou sempre relembrando que é essencial estar atento ao corpo, ouvir os seus sinais e respeitá-lo. Não é à força que conseguimos melhorar e evoluir na prática de asana. A máxima “no pain, no gain“, muito utilizada na actividade física, não se aplica ao yoga. Na minha opinião, não se deveria aplicar a nenhuma actividade física, já que nos ensina que, sem sofrimento, não atingimos os objectivos. E não é bem assim.

Tem de haver um equilíbrio entre desistirmos ao primeiro sinal de esforço e permanecermos num ásana a todo o custo, mesmo que o corpo já esteja a dar sinais de que devemos parar.

 

Os extremos são fáceis. O equilíbrio é sempre mais difícil de alcançar e implica estarmos realmente presentes na prática e percebermos os sinais.

 

A dor é um desses sinais. Pode-se dizer que há dois tipos de dor: uma “positiva” e uma “negativa”. A “positiva” nem considero que seja dor. É a sensação que temos quando estamos a alongar e sentimos os músculos a esticar, desde que não seja levada ao extremo, desde que respeitemos os limites do nosso corpo e alonguemos da maneira certa, produz uma sensação agradável.

A “negativa” é a dor que não tem nada de agradável! Quando estamos a praticar e sentimos dores agudas, como picadas, seja nos músculos ou no interior das articulações, nunca é bom. Pode ser um sintoma de alguma lesão ou pode ser devido a má execução do exercício. Em qualquer dos casos, devemos desfazer a postura imediatamente, relaxar um pouco e tentar de novo. Se a dor desaparecer, tudo bem. Se a dor persistir, não devemos insistir no exercício, pelo menos naquele momento.

 

Praticar com a atitude correcta é meio caminho andado para que a prática seja segura:

– atenção focada na prática

– auto-observação constante

– respiração consciente

– manter a serenidade e uma atitude de “não esforço”, mesmo que o corpo esteja em esforço, interiormente

 

A verdadeira prática é a que fazemos por dentro. Se nos lembrarmos disso não damos tanta importância a executar a técnica a qualquer custo, como se estivéssemos numa competição.

 

Devagar se vai ao longe. Quando não temos pressa para chegar onde quer que seja e nos focamos em fazer o caminho da melhor forma possível acabamos por chegar mais depressa (onde quer que seja).

 

Quando não respeitamos o nosso corpo pela pressa de atingir alguma posição ou porque temos uma atitude competitiva, em relação aos colegas, ou até mesmo a nós próprios, etc, damos um passo para a frente e dois para trás. O corpo vai ficar dorido ou até mesmo lesionado, atrasando a nossa evolução. Se praticamos “devagar e sempre”, respeitando os nossos limites do momento, cuidando do nosso corpo como se fosse o nosso bem mais precioso (será que não é mesmo?), não teremos problemas e estaremos no bom caminho para uma vida mais saudável.

 

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O que é o yoga

Texto de Filipa Mora

Filipa Mora é licenciada em comunicação social e jornalismo. É também instrutora de yoga e colaboradora do Atria Yoga na produção e revisão de conteúdos.

 

 

O que é o Yoga?

Expressar por escrito o significado de Yoga no meu percurso é por si só um desafio. Tal como o Yoga o é para mim. Um desafio, perante mim própria, o meu ego e perante o mundo e os outros.

 

No início foi a respiração. Tentar iniciar um ciclo respiratório pelo abdómen não era propriamente novidade, dada a minha formação profissional e necessidade de o fazer para colocar a voz e fazer locução. O desafio era mesmo conseguir aliar tudo isso aos movimentos de forma “correcta”. Lembro-me de até tonturas ter nos primeiros adho mukha que fiz…e coordenar tudo? Bolas, que trabalheira, que confusão…Então o yoga não era concentrar para abstrair? E conseguir fazê-lo?

 

Nos primeiros tempos era tão difícil conseguir dedicar a atenção a tudo, da mesma forma que era difícil não pensar no que ia fazer para o jantar a seguir, no dia que tinha tido e nos pormenores das coisas que tinham acontecido e, enfim, vinham os pensamentos mais idiotas à mente. Vá, confessem, quem é que nunca pensou no jantar, na conversa com o amigo, na coisa pendente que tinha de fazer, na lista de compras esquecida na mesa da cozinha, enfim, uma série de coisas “importantíssimas”, na altura, logo naquele momento em que estamos em cima do tapete e em que “bastava” a concentração na respiração, alinhamento/postura e no mergulho por dentro que é uma prática de asana

 

Se aquelas primeiras aulas de yoga tivessem um cartoon, seria uma implosão de pensamentos e de coisas a que queria estar atenta. A melhor metáfora que me ocorre das primeiras aulas de yoga é como quando estamos a aprender a conduzir. Até que determinadas coisas entrem em modo “piloto automático”, ui, que confusão que era! O alinhamento, a respiração, a coordenação da respiração com movimentos… e atrever-me e desafiar-me a fazer a aula toda sem me frustrar, ui! As primeiras aulas de yoga foram isso mesmo: aprender a lidar e gerir a frustração perante mim própria, nesse mergulho para dentro que representava aquela hora de prática.

 

Sentar-me com as costinhas “direitas” e respirar. Parece fácil, não? Humhum, pois. Até podia ser se todas as rotinas que estão embrenhadas em nós não nos conduzissem na direcção contrária. Passamos grande parte do dia, ou ao PC, tortos, ou de pé e com a bacia desencaixada, ou enquanto andamos, sempre com a cervical inclinada para o telemóvel, ao qual não damos descanso. Chegar a uma aula de yoga depois de um dia de 8/9h de trabalho e com as preocupações diárias que a rotina assim “exige”, nem sempre é “fácil”. Quando a aula termina, é uma delícia e invade-nos sempre aquele pensamento “ainda bem que vim!”, mas sair do trabalho, atravessar a confusão do trânsito de final do dia (pensar no trânsito ainda pós-laboral que se irá apanhar depois da aula!), chegar lá e começá-la, nem sempre é a coisa mais sedutora do mundo… por mais que amemos e nos dediquemos à nossa prática, por mais que nos esforcemos e mesmo em alturas em que temos perfeita noção que se não formos àquela aula, dificilmente iremos compensar a prática em casa. Ufa, que correria. (Fiquei cansada só de escrever estas últimas linhas, eheh…)

 

Ora bem, para nós que andamos aqui no lufa-lufa da cidade e ainda conseguimos ir a uma aulinha às 19h00, só sentar no tapete uns minutos para aquietar é um desafio gigante. A cabeça não pára, é assim que a habituámos há muito tempo. Não há botões mágicos, nada. Só mesmo a nossa concentração, essa sim, consegue coisas e efeitos mágicos. É como tudo na vida, uns dias melhor, outros pior. Portanto, atrevo-me a dizer que por mais anos que passem e se ganhe espaço, se melhorem posturas, flexibilidade, etc, aquilo que a minha caminhada me tem mostrado é que é TUDO impermanente, tal como a forma como olhamos para o mundo, para o yoga e como praticamos, claro.

 

No meu trilho pessoal, já tive alturas em que praticava asana duas vezes por dia e agora que olho para esses tempos, reconheço que fazia tudo menos yoga. Fazia posturas e mexia o corpo, é certo, mas a minha cabeça não estava alinhada com o coração, mas sim com o ego. Estava numa boa condição física (como nunca pensei que o yoga permitisse!), tinha bastante tempo livre e a prática de asana matinal e ao fim do dia tornou-se, praticamente, uma obrigação. Mas…ficava com um sentimento de culpa estranho, caso não praticasse. Ora bem, isso não será violentar-me? Não se confunda disciplina com inflexibilidade e intolerância. Lá está, o limbo entre o equilíbrio e desequilíbrio é aquele ponto que não se vê, quase, mas que existe. Um bocadinho mais para o lado e caímos, daí a dificuldade em mantermo-nos no meio. Se fosse fácil, não precisávamos de passar a vida toda a aprendê-lo. Ainda que, também, por vezes, seja necessário ir aos extremos para se descobrir o que não se quer e ir algures ali até ao meio.

 

Yoga para mim é consciência, é ter a humildade de olharmos para dentro, mas aquele dentro em que cumprimentamos o “ego” – reconhecemo-lo mas não o alimentamos nem focamos a atenção unicamente nele – e tomamos consciência de nós e dos outros.  De nós com os outros e com o mundo em geral. Yoga é vestirmos o papel de observador a toda a hora, mas sem que isso represente uma obrigação, é algo que se vai tornando quase que inconsciente, por mais paradoxo que possa soar. É uma consciência constante e permamente nesta impermanência da vida, nestas rotinas em piloto-automático, em que agimos de forma quase que desligada de tudo e de todos.

 

Yoga é respirar consciência, observação, humildade e a tão bela “compaixão”. E parece um paradoxo, da mesma forma que é necessário concentrarmo-nos para nos abstrairmos ou estarmos atentos a nós de tal forma para nos conseguirmos observar e tentar compreender e ter compaixão perante o próximo. Afinal, só um “desapego” e uma “acção verdadeiramente desinteressada” nos vai conduzindo a qualquer lugar melhor que este.

 

A música que agora ouço enquanto escrevo é de Fink e chama-se “Truth beginse o refrão refere algo como “Layers on layers, layers on layers. The journey unravels, and the truth begins, begins, begins”. E o yoga anda de mãos dadas com a vida como se de camadas se tratasse. Se cada passo que damos é mais uma camada que acumulamos a outra e a tantas outras camadas e camadas de caminhadas e aprendizagens, em algum momento percebemos que não percebemos nada mas que a quietude é o melhor amigo das dúvidas, do receio, do apego… O olho do furacão é sempre o local onde as condições atmosféricas são mais amenas… Eis que a “verdade” aparece. A nossa verdade, o que faz sentido para nós, a forma honesta e tranquila de estar na vida, perante os desafios e as dificuldades e o sofrimento. Se nos desapegarmos dos apelos constantes a que o nosso ego reage pelos estímulos todos lá de fora, do dia-a-dia, seremos, sem dúvida, mais verdadeiros connosco próprios.

 

Yoga não são só asanas (ainda que durante muito tempo tenha pensado que sim), não é sentar de pernas cruzadas, respirar e fazer “jñána mudrá”, emitir o som “Om” e desejar paz para nós, os outros e o universo.

 

Não é perpetuar clichés nem continuar a dizer aquilo que o Yoga não é (ou não deveria, pelo menos, ser!). Podia também lançar a provocação que é só arranjar tempo para respirar e expandir, mexer o corpo, já que é o nosso veículo para essa mesma expansão e viagem e, pronto, só falta alinhá-lo com a mente. Afinal, trata-se “apenas” de unir o coração e a mente. O que fazemos para o conseguir é a caminhada da vida… E talvez partamos sem o conseguir fazer mas, pelo menos, existe a intenção (e acção!) de viver conscientemente.

 

A descoberta do que andamos para aqui a fazer, do que é poder viver conscientes, fieis e verdadeiros connosco e com os outros. Amar de forma livre e incondicional, passar a ver a vida e a vermo-nos de outra forma. Não necessariamente de forma oposta à que vivíamos antes mas, por norma, os vários relatos e histórias que ouvimos, referem-se sempre a um “antes” e “depois” do yoga na vida das pessoas.

 

Há mesmo quem mude radical e repentinamente e passe a rejeitar todas as rotinas e processos desenvolvidos até à introdução ao yoga. Há variadíssimos desabafos e textos sobre as mudanças e alterações na vida de cada um, é comum referir-se a forma como se olha para a vida e isso pode implicar a alimentação, as rotinas diárias, até mesmo os amigos e companhias que sempre fizeram sentido para nós, tal como determinados padrões comportamentais. E, de repente, mergulhamos numa bolha cujo timing depende de cada um… e as mudanças se podem ser subtis e vão acontecendo tão internamente que, quando se sentem, são enormes.

 

Há quem não consiga abdicar de todos os hábitos de outrora, há quem os mude totalmente. Há quem se afaste do círculo de amigos habitual e passe a não conseguir gerir antigas relações, há quem deixe de fazer determinados programas, há quem aprenda a gostar de estar sozinho e há quem passe a apreciar e a aperceber-se do quão necessário é ouvir o silêncio.

 

Pode haver, também, uma fase em que durante a descoberta desta forma de ver o mundo – como se tudo fosse mais transparente aos nossos olhos e estivéssemos mais conscientes e sensíveis ao mundo em geral e, quase que paradoxal e simultaneamente, mais abstraídos dos impulsos desse mesmo mundo – nos julgamos mais atentos que os outros. Ora bem, lá está o ego a pregar-nos uma partida.

 

“Ego” talvez tenha sido a palavra que mais ouvi da boca do meu primeiro e querido professor de yoga… “ego” para aqui, “ego” para acolá… e como o significado atribuído às palavras varia em função, quer das áreas de estudo, quer do contexto, eu lá me questionava sobre algumas coisas que a Psicologia me dizia… Não há problema em ter ego, aliás, temos de o ter, desde que não o deixemos conduzir-nos por esse mundo fora. Senão, a visão que temos sobre o mundo será sempre de dualidade, de separação: de nós e dos outros.

 

E o que o Yoga me tem ensinado, enquanto forma de viver, é exactamente o oposto. É união. Sem querer cair em redundâncias, talvez tentar explicar o que é Yoga parta mim seja mais fácil do que julguei…(como se a simplicidade não trouxesse consigo toda a complexidade do processo até lá…). Se escrevo estas coisas (num registo bem oral, diga-se de passagem), talvez seja porque me revejo plenamente nestes processos todos.

 

Enquando continuo a escrever, continuo a ouvir Fink, desta vez, uma música em que ele colabora com Bonobo (“If You Stayed Over”) e que tem uma passagem: “Breathe in the future, breathe out the past”, curioso como esta metáfora poderia ser utilizada, se o passado representasse as preocupações e lições aprendidas e o futuro, apenas as coisas boas, as expectativas, a esperança.

 

Mas daqui podemos sempre saltitar para outra questão: e por que não inspirar e expirar o presente, apenas? Claro que a construção do que somos é a soma de tudo o já fomos, mas não dispendemos demasiada energia a pensar no passado e a projectar o futuro? Andamos sempre aos trambolhões de expectativas e furacões de emoções… Se yoga é, também, a consciência de tudo “aqui e agora”, se não há mais nada além disso, se tudo é impermanente, então que estejamos a 200% no agora porque é a única certeza que temos, é de estarmos aqui.

 

Consciência, liberdade, verdade, permanência, evolução, caminhada, luz …são palavras que associo ao Yoga. Felicidade e consciência. E a (tão tramada por tão difícil que é, por vezes!) compaixão que vem com a aceitação.

 

Yoga é respirar contemplação, abraçar o sol da consciência e viver de forma mais livre, tolerante, flexível e feliz. Primeiro connosco próprios, numa lógica do desapego e sem dar grandes ouvidos aos pedidos do ego e, depois, com os outros e o universo em geral. E tudo vem por acréscimo…pensar em várias opções e tentar ver o mundo de outra perspectiva. Não é só quando estamos no tapete, numa invertida, que vemos o mundo ao contrário. É preciso fazê-lo sempre que os desafios destes novos ritmos nos preguem sustos.

 

Yoga é arranjar espaço dentro (e de dentro para fora) de nós. Expandir a caixa toráxica, a capacidade respiratória, a flexibilidade, a força, etc, claro…

 

E expandir, acima de tudo, a consciência… e o coração.

 

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